sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Para a Cláudia...


Às 7.30h da manhã o despertador tocou no quarto da Cláudia. Na mesinha de cabeceira, decorada com flores secas e uma fotografia do seu filho Hugo, ouviu-se tocar para o derradeiro minuto de sono. Cláudia olha para a esquerda e, como sempre, André estava a seu lado  na cama. Já a despertar, também, mas com o ar de quem ficava pelo menos mais meia hora a desfrutar do leito quente e confortável. Debaixo do lençol castanho, Cláudia e André olham-se mutuamente. Bom dia, diz com um sorriso Cláudia. André responde com um beijo rápido e carinhoso na sua testa.
É Cláudia que se levanta primeiro. Abre a janela. Os raios de Sol já pintam a manhã. Que bom, sente Cláudia ao inspirar profunda e longamente. Dirige-se ao quarto cheio de brinquedos onde Hugo ainda dorme com um ar tranquilo. Olá meu amor, sussurra Cláudia ao ouvido do seu filho de 4 anos. Tem que ser devagarinho e delicado o acordar da criança. Cláudia sabe isso. Toca nas mãos pequenas e franzinas, ao mesmo tempo que trauteia a música de Vila Moleza, um dos desenhos animados preferidos de Hugo. Talvez assim o seu despertar seja tranquilo, pensa enquanto vai destapando com vagar a criança ainda sonolenta. Hoje pergunta: posso dormir mais um bocadinho?
Lá fora ouvem-se os pássaros com a sua melodia matinal. Ao escutar a sua música, Cláudia abre a janela deste quarto. Entretanto, ao sentir a boa disposição da sua mãe, Hugo espreguiça os seus bracitos curtos e dá um salto da cama. Olá mamã! Quero vestir a roupa do Homem Aranha, pode ser?  Cláudia sorri. Claro, meu amor. Mas só enquanto tomamos o pequeno almoço, está bem? Boa! Responde Hugo com boa disposição e já sem sono.
Acção imediata. Hugo abre o guarda-vestidos e contempla os fatos de super-heróis que preenchem o espaço. Polícia, Zorro, Batman… Hoje é a vez do Homem Aranha. Ajuda-me a vestir, mamã. Depois de abrir a tenda instalada no quarto desde o dia de Natal, Cláudia enfia a fantasia pelas pernas infantis e ajuda a encaixar os braços na parte de cima da veste. Para finalizar, enfia o gorro colorido que deixa apenas os olhos cor de avelã à vista. Atenção, antes de ires atrás do monstro tens que comer o iogurte. Vamos a isso, Homem Aranha.
É em corrida que Hugo se dirige à cozinha. Cláudia segue o garoto para lhe preparar a primeira refeição, enquanto se ouve a água a correr para o duche de André.  O dia é de escola para todos. Cláudia e André dão aulas de Educação Física e Hugo está no jardim escola. A algazarra ecoa por toda a casa. Hugo salta do sofá para o chão e do chão para o cadeirão, desafiando as leis da gravidade. Sempre atenta, Cláudia hesita entre o iogurte e o copo de leite com chocolate. Opta pela primeira hipótese. É capaz de ser menos perigoso face à correria e cambalhotas que ouve na sala. Toma o seu iogurte líquido e chama, Hugo, anda cá. Uma colher de energia para o homem aranha! As minhas teias são muito fortes! Vou prender-te ao frigorífico, eh, eh! Simula-se colada ao frigorífico e clama por socorro: André, vem soltar-me, o homem aranha afinal já não salva os bons, ficou do lado dos maus!
De imediato,  Hugo esconde-se em riso aberto debaixo da mesa da sala enquanto Cláudia e André trocam de função. Agora é Cláudia que vai ao banho e André fica na brincadeira. Estou a ver-te homem aranha, escusas de te esconder… André alinha na reinação e Hugo cala-se para manter o esconderijo.
Entretanto, na casa de banho, debaixo da água quente, Cláudia planeia o seu dia. Vai deixar o filho ao infantário antes de ir para a escola. A manhã vai ser passada a dar aulas e de tarde tem as tarefas de directora de turma. Esboça uma expressão de enfado ao lembrar-se que tem que actualizar as faltas e informações dos seus alunos. Tanta burocracia… Bom, logo se vê. Hoje é quarta feira. Boa! Não é só escola, mais logo tem dança. Foi o ano passado que tudo começou. Alguém se lembrou de criar um grupo de jazz. Há quanto tempo não ouvia falar desse tipo de dança. Desde os anos 80, talvez. Mas a Raquel, a responsável pela turma, foi tenaz e até já fazem exibições para além do sarau habitual do clube do qual fazem parte. Foi um espaço onde se reencontrou. Este é um dos sentimentos que tem cada vez que sai de casa às segundas e quarta feiras à noite para os ensaios. Já se podem chamar assim. Não são bem aulas. Desde que fizeram a sua primeira apresentação que não têm parado os convites. Mãmã… Cláudia acorda do devaneio e lembra-se que o tempo corre sem pausa. Tem que acabar de se preparar. André e Hugo chegam ao quarto. André é o primeiro a sair. Até logo, vou indo, despede-se de Cláudia com o olhar. Tchau homem aranha…  dá um abraço ao papá. Depois do gesto, Hugo volta-se para a mãe. Posso brincar mais um bocadinho? Só enquanto a mamã se veste.
Ouve-se a porta da rua a bater. André já saiu. Cláudia escolhe o fato de treino. Quer dizer, não é bem um fato. A moda contemporânea transformou a indumentária dos professores de educação física. Felizmente, é a opinião de Cláudia e das suas amigas, a maior parte colegas de curso, também professoras de Educação Física. Veste umas calças pretas largas de algodão e uma camisola branca com a palavra dance escrita em cor-de-rosa. Agora, o mais difícil, convencer o Hugo a mudar de roupa. Homem aranha… chama com carinho. Pé ante pé, Hugo vai para a tenda e fica quieto, à espera. Depois de verificar todas as divisões da casa, Cláudia entra no quarto do filho, adivinhando o seu refúgio. O argumento tem que ser convincente. Vamos querido, está na hora. Temos que ir… Os teus amigos já estão na escola, já devem estar a fazer alguma coisa muito importante e tu ainda estás aqui. Com um ar céptico, Hugo cede. Mas logo podemos vestir outra vez a roupa do homem aranha, mamã? Claro meu amor.
Cláudia está em cima da hora, tem que se despachar. Depois da bata, veste o casaco ao filho e pega no seu. Passa na cozinha onde está o armário do calçado. Sem olhar pega num par de sapatilhas.
Depois de deixar Hugo no infantário segue para a escola. É quando sai do Beatle, o seu carro, que  Cláudia fica perplexa. Os seus pés estão desencontrados. Uma sapatilha preta e uma branca. Ri-se da sua distracção e olha em volta. Ninguém a observá-la. Bom… Lá terá que ser. Com um ar triunfante, entra na sua primeira aula e diz: Bom dia, caros alunos. A partir de hoje a moda é esta: uma sapatilha de cada cor! A sua plateia está confusa. Não sabe se rir em uníssono ou se acreditar no que ouve. O tom da sua professora é peremptório e convincente. Bom dia! Está um lindo dia de sol e a aula é no campo exterior. Toca a fazer 10 minutos de corrida para aquecer…

3 comentários:

  1. Não...não abusaste! Tá lindo!
    Gostei especialmente do carinho que se sente sempre presente na minha relação com o meu Hugo...mesmo na pressa de uma manhã atarefada!!!...
    Beijos grandes...
    Obrigada pela ternura!...

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  2. A afectividade presente no excerto releva muita do afecto que "habita" a tua pessoa. Beijinhos PFB

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  3. Lindo!!!
    É um texto muito carinhoso. Beijinhos
    SD

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