Camaleão



O camaleão que queria ser a Madonna

Deste ramo verde e um pouco instável avisto uma joaninha. Está com ar de quem quer voar. Voa, voa que o teu pai foi a Lisboa. As aparências iludem. Zás! Na minha boa. A refeição matinal. Colorida, crepitante e saborosa, desfaz-se na minha boca. Deixou de ser a joaninha preta com pintas vermelhas. Já não voa mais. Faz parte de mim. É apenas uma fase. Hoje sou um camaleão integrado no jardim de uma cantora pop muito conhecida. A Madona. Quem não ouvi falar dela? Quem não ouviu a sua música global? Só mesmo quem nunca tiver ligado uma televisão, um rádio. Não me perturba o sono. Ando para aqui com a minha língua comprida sempre à pesca de insectos para me satisfazer e entreter. Sempre muito entretido. Não há tempo para ouvir música, para ver televisão. Não preciso. A música vem até mim em pessoa. As minhas patas agarram-me bem aos ramais. Sinto-me tão bem. Até parece inacreditável. Ela chega aqui a cantar e a dançar. Dança melhor do que canta. Faz-me sempre sorrir quando um dos meus olhos se revira para a observar. O outro tem que estar atento aos insectos que pousam. Entre o insecto e a Madona, o tempo faz o seu jogging lento de contemplação. Não tenho pressa. As minhas cores mudam constantemente. Como estou num ramo verde, pode adivinhar-se a tonalidade que me caracteriza momentaneamente. Daqui a pouco vou até àquela folha que acabou de fazer o seu voo rodopiante desde o cimo da árvore até ao solo. Rodopiou sobre si em toda a sua queda. Uma queda plena de glamour. Zás! Em cima da folha. Assumi uma nova identidade. Acastanhado. É esta a minha matiz. Madona olha para mim e fica confusa. Parece questionar-se. Que faz um camaleão no meu jardim. Nunca deu por mim. Sempre me mimetizei no coração da vegetação cerrada. Desde que nasci que a conheço. Desde que nasci que a contemplo a dançar e a cantar. Foi mudando ao longo do tempo. Como eu. Houve tempo que foi loura. Já a vi morena. Presenciei as suas transformações. Ela não me percebeu. Mas é como eu. Muda conforme as circunstâncias. Como eu.
Colecciono os seus cromos desde que saem na revista semanal que costumo consultar. Tenho todos guardados. É uma colecção que vai causar inveja. Tenho a certeza. Madona, like a virgin; Madona, like a prayer; Madona, like a ray of light. Não apenas cromos. Também tenho os posters. Todos diversos. Mostram-nos a mutação contínua. Artificial, é certo. Não como eu. Faz parte da minha natureza. Por isso sei que sou admirado. Não só admirado. Venerado e até invejado. Mudo consoante as necessidades. Mudo consoante as cores. Não escolho. Acontece, apenas. Se queria ser como Madona? Perguntou-me uma vez o sapo com quem troco impressões. Hesitei na resposta. Continua à espera que lhe diga o que penso. Nunca tinha reflectido sobre essa possibilidade de ser outra coisa que não eu. Daí a dúvida. Nunca tinha reflectido sobre essa possibilidade de ser outra coisa que não eu.