quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A Amélia


Olá! Estás boa? Sempre com uma voz jovial e bem-disposta, esta é a expressão usual para cumprimentar quando me liga. Decidimos mudar o tarifário do telemóvel, por isso, somos capazes de estar mais de meia hora ao telefone sem pagar um cêntimo. Somos ambas extreme. Foi ideia do Fernando, e que boa ideia. No princípio só trocávamos mensagens, ou sms, na gíria das telecomunicações, mas rapidamente se percebeu que dá mais trabalho estar a escrever no teclado minúsculo do telemóvel do que seleccionar o nome e carregar na tecla verde para fazer a chamada.
Hoje estivemos 51 minutos na treta. Sim, na treta. Felizmente não é necessário ter conversas elevadas e produtivas com todas as pessoas e a todo o momento. Do outro lado da linha, podia perceber um tom de voz triste de quase desalento. Se a virmos passar no corredor do local de trabalho não se detecta a eventual tristeza. O seu sorriso é sempre fácil. Porque sim. Porque não há-de ser? Os outros não têm culpa que esteja menos bem. Disse-me uma vez.
Não sendo de grande estatura, não a vemos como alguém pequeno. Pelo contrário. A sua postura muito direita e elegante e os frequentes saltos esbatem uma eventual diferença, tornando-a singular quando está em conversa no átrio. Brincámos com as botas xpto que comprou em Outubro. Colossais. Fantásticas. Super femininas. Aquele tipo de compra que só as mulheres compreendem. O tipo de compra que uma mulher faz sem pensar que é caro. O que nos passa pela cabeça é antes: uma extravagância que não faz mal a ninguém e que nos faz bem de vez em quando. Porque sim. Porque apetece, porque nos sentimos mais bonitas. Não interessa se os outros nos valorizam na mesma medida. Não é isso que está em questão. O que está em causa é o facto de se poder fazer essa extravagância, para recordar que é isso mesmo e que se fez porque se merece. Porque nem tudo tem que ser útil. Porque nem tudo tem que ter uma razão racional de ser. Porque há coisas que só as mulheres entendem.
E na verdade as botas ficam-lhe a matar. Quando as tem calçadas, a Amélia é mais Amélia. E isso sente-se quando caminha. É provável que nem todos percebam o pormenor. Ainda bem. É provável que a Amélia também nunca tenha pensado no pormenor. O encanto é esse. Há algo de diferente nesses dias. Se a Amélia já tiver pensado nisso, é possível que já tenha tido alguns devaneios ao sair do seu smart branco impecavelmente limpo. Acredito que quando carrega no comando da chave para trancar o carro e o guarda na carteira, endireite ainda mais as costas e diga em surdina, só para os seus ouvidos: hoje vou arrasar!
Hoje de manhã já estava no parque de estacionamento quando chegou e entrámos juntas na escola. O seu porte estava mais ou menos a condizer com o descrito. Os seus cabelos lisos, com franja recente a dar-lhe um ar de garota, estavam alinhados sem estarem demasiado penteados. Trazia umas leggings pretas debaixo das botas que tapavam os joelhos e uma blusa branca, solta e descontraída, coberta por um bolero verde de lã. Quando passámos a porta, o funcionário que costuma estar na entrada olhou-a embevecido. Confirmei a especulação anterior e Amélia também. Sorrimos quando trocámos olhares e não foi preciso comentar. Estava mesmo para arrasar. Enquanto subíamos as escadas dizíamos disparates e ríamo-nos sem pudor. Chegadas ao fim dos degraus e antes de irmos em sentidos opostos dissemos: diverte-te como puderes. Logo à noite falamos.

2 comentários:

  1. A Amélia é mesmo de arrasar, não apenas à vista mas também ao contacto (social!).
    beijos para ambas.
    PFB

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  2. Não sei quem é a Amélia... só conheço uma q é voz do GPS de um carro qualquer...
    Dessa Amélia de que falas, todas temos um pouco...ou muito, vá lá!... porque esta Amélia poderia ter um outro nome qualquer... Mas hoje, só hoje, todas somos Amélias!!!
    Adorei o texto!
    Nota-se que é de uma Mulher que sabe o que é Ser Mulher e por isso retrata bem o q todas sentimos...
    Beijinhos

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